Por Jucilene Lopes, Coordenadora Comercial – Juscon Contábil
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Contexto da Reforma Tributária
Com a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023 e da Lei Complementar 214/2025, o Brasil reformula profundamente seu sistema tributário. Os atuais tributos PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI dão lugar ao modelo dual composto pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de âmbito federal, e pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), estadual e municipal, com promessa de simplificação, neutralidade e não cumulatividade.
Exceção: quando o SaaS (classificado na NBS como serviço de TI, ex. 1.1502.90.00 ou 1.1510.00.00) for fornecido à Administração Pública e estiver dentro do Anexo XI – segurança da informação/cibernética, aplica-se redução de 60% da alíquota.
Quem está no radar dessa reforma?
As mudanças impactam especialmente empresas de tecnologia com serviços recorrentes, como SaaS, serviços digitais, cloud computing e aquelas que trabalham com terceirização extensa e contratos por assinatura, que enfrentam efeitos tributários profundos e imediatos.
Cenário atual versus após a reforma
- Cenário atual (Lucro Real, não cumulativo):
- Tributos aplicados: PIS (1,65%), Cofins (7,6%) e ISS (2%) => carga total de ~11,25%.
- Muitas empresas contam com prestadores optantes pelo Simples Nacional (PJ), que hoje permitem alíquota cheia de crédito de 9,25%, reduzindo a carga líquida para aproximadamente 3,9%.
- Após a Reforma (CBS + IBS):
- A alíquota de saída sobe para cerca de 28%.
- Como muitos prestadores são MEIs ou Simples Nacional, que não geram crédito integral, os créditos caem significativamente.
- Resultado: a carga líquida sobe para aproximadamente 24,6%, um aumento de 529% em relação à situação anterior.
Mitigando o impacto: reestruturação estratégica
Uma das alternativas para reduzir esse impacto é reconfigurar a base de fornecedores. Ao substituir prestadores por empresas enquadradas como Lucro Presumido ou Simples Nacional Híbrido (que geram cerca de 19,6% de crédito), e ainda considerar 2,8% adicionais de crédito para software e cloud, a carga líquida pode recuar para 6,4%, uma redução de mais de 70% comparada ao cenário “inercial”.
Desafio adicional: o split-payment
A reforma introduz o mecanismo do split-payment, pelo qual os tributos (CBS e IBS) são destacados na nota fiscal e retidos no momento do pagamento pelo cliente. O problema: o crédito sobre essas aquisições só pode ser apropriado após 60 dias, conforme o artigo 53 da LC 214/2025. Esse descompasso cria um impacto imediato no fluxo de caixa das empresas.
Implicações estratégicas: precificação, contratos e comunicação
- Precificação tributária neutra:
- No modelo atual, o cliente paga R$ 111,25 (R$ 100 + 11,25%), sem poder se creditar.
- Com a reforma, paga R$ 128,00 (R$ 100 + 28%), mas se credita integralmente, gerando custo líquido de R$ 100,00, ou seja, neutralidade em custo real.
- Contratos com cláusulas de neutralidade:
- É essencial incluir disposições que deixem claro se os valores são brutos ou líquidos, prever repactuação caso a carga tributária mude e definir quem será responsável pelo recolhimento do tributo.
- Comunicação transparente com clientes:
- Especialmente para clientes tributados no Lucro Real ou Presumido, vale enfatizar que o custo líquido permanece inalterado mesmo com reajuste bruto, graças ao crédito fiscal, construindo percepção de valor e confiança.
Inteligência fiscal é indispensável
A complexidade da nova tributação exige muito mais do que controle contábil básico:
- Monitoramento contínuo de indicadores-chave, como:
- Carga efetiva líquida por cliente ou produto;
- Erosão de crédito por tipo de fornecedor;
- Margem pós-CBS;
- Volume de crédito acumulado e impacto no caixa pelo split-payment.
- Uso de sistemas integrados que conectem dados fiscais, operacionais e contratuais, permitindo simulações robustas, controle de cenários e tomada de decisão estratégica com base em dados.
Preparação é mais do que adaptação
O aumento da carga tributária evidencia que essa reforma não se trata apenas de ajustes, e sim de uma reconfiguração completa de modelos de negócio para empresas de tecnologia com operação digital:
- Reestruturar fornecedores;
- Simular impactos antes da mudança completa;
- Revisar contratos e capacitar equipes comerciais;
- Investir em inteligência fiscal e governança tributária robusta.
A reforma é inevitável, a desorganização, não.
Abaixo um material da Receita Federal com detalhamento sobre o tema.