Aumento de até 529% na carga tributária para empresas de SaaS e serviços digitais: análise completa

Por Jucilene Lopes, Coordenadora Comercial – Juscon Contábil

Tempo de leitura 3 minutos

Contexto da Reforma Tributária

Com a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023 e da Lei Complementar 214/2025, o Brasil reformula profundamente seu sistema tributário. Os atuais tributos PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI dão lugar ao modelo dual composto pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de âmbito federal, e pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), estadual e municipal, com promessa de simplificação, neutralidade e não cumulatividade.

Exceção: quando o SaaS (classificado na NBS como serviço de TI, ex. 1.1502.90.00 ou 1.1510.00.00) for fornecido à Administração Pública e estiver dentro do Anexo XI – segurança da informação/cibernética, aplica-se redução de 60% da alíquota.

Quem está no radar dessa reforma?

As mudanças impactam especialmente empresas de tecnologia com serviços recorrentes, como SaaS, serviços digitais, cloud computing e aquelas que trabalham com terceirização extensa e contratos por assinatura, que enfrentam efeitos tributários profundos e imediatos.

Cenário atual versus após a reforma

  • Cenário atual (Lucro Real, não cumulativo):
    • Tributos aplicados: PIS (1,65%), Cofins (7,6%) e ISS (2%) => carga total de ~11,25%.
    • Muitas empresas contam com prestadores optantes pelo Simples Nacional (PJ), que hoje permitem alíquota cheia de crédito de 9,25%, reduzindo a carga líquida para aproximadamente 3,9%.
  • Após a Reforma (CBS + IBS):
    • A alíquota de saída sobe para cerca de 28%.
    • Como muitos prestadores são MEIs ou Simples Nacional, que não geram crédito integral, os créditos caem significativamente.
    • Resultado: a carga líquida sobe para aproximadamente 24,6%, um aumento de 529% em relação à situação anterior.

Mitigando o impacto: reestruturação estratégica

Uma das alternativas para reduzir esse impacto é reconfigurar a base de fornecedores. Ao substituir prestadores por empresas enquadradas como Lucro Presumido ou Simples Nacional Híbrido (que geram cerca de 19,6% de crédito), e ainda considerar 2,8% adicionais de crédito para software e cloud, a carga líquida pode recuar para 6,4%, uma redução de mais de 70% comparada ao cenário “inercial”.

Desafio adicional: o split-payment

A reforma introduz o mecanismo do split-payment, pelo qual os tributos (CBS e IBS) são destacados na nota fiscal e retidos no momento do pagamento pelo cliente. O problema: o crédito sobre essas aquisições só pode ser apropriado após 60 dias, conforme o artigo 53 da LC 214/2025. Esse descompasso cria um impacto imediato no fluxo de caixa das empresas.

Implicações estratégicas: precificação, contratos e comunicação

  1. Precificação tributária neutra:
    • No modelo atual, o cliente paga R$ 111,25 (R$ 100 + 11,25%), sem poder se creditar.
    • Com a reforma, paga R$ 128,00 (R$ 100 + 28%), mas se credita integralmente, gerando custo líquido de R$ 100,00, ou seja, neutralidade em custo real.
  2. Contratos com cláusulas de neutralidade:
    • É essencial incluir disposições que deixem claro se os valores são brutos ou líquidos, prever repactuação caso a carga tributária mude e definir quem será responsável pelo recolhimento do tributo.
  3. Comunicação transparente com clientes:
    • Especialmente para clientes tributados no Lucro Real ou Presumido, vale enfatizar que o custo líquido permanece inalterado mesmo com reajuste bruto, graças ao crédito fiscal, construindo percepção de valor e confiança.

Inteligência fiscal é indispensável

A complexidade da nova tributação exige muito mais do que controle contábil básico:

  • Monitoramento contínuo de indicadores-chave, como:
    • Carga efetiva líquida por cliente ou produto;
    • Erosão de crédito por tipo de fornecedor;
    • Margem pós-CBS;
    • Volume de crédito acumulado e impacto no caixa pelo split-payment.
  • Uso de sistemas integrados que conectem dados fiscais, operacionais e contratuais, permitindo simulações robustas, controle de cenários e tomada de decisão estratégica com base em dados.

Preparação é mais do que adaptação

O aumento da carga tributária evidencia que essa reforma não se trata apenas de ajustes, e sim de uma reconfiguração completa de modelos de negócio para empresas de tecnologia com operação digital:

  • Reestruturar fornecedores;
  • Simular impactos antes da mudança completa;
  • Revisar contratos e capacitar equipes comerciais;
  • Investir em inteligência fiscal e governança tributária robusta.

A reforma é inevitável, a desorganização, não.

Abaixo um material da Receita Federal com detalhamento sobre o tema.

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