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O regime tributário conhecido como Simples Nacional, oficialmente regulado pela Lei Complementar 123/2006, tem por objetivo simplificar o recolhimento de impostos para micro e pequenas empresas. No entanto, as decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) revelam que esse “sistema simples” está longe de ser linear em muitos casos práticos.
A seguir, apresento os principais entendamentos do STJ sobre temas controversos no âmbito do Simples Nacional, ilustrando por que “simples” pode ser um termo enganoso.
Panorama do regime e sua importância
Atualmente, milhões de empresas optam por esse regime em razão de sua potencial simplificação tributária, que unifica diversos tributos em um único documento de arrecadação. No entanto, para usufruir desse benefício, a empresa deve atender condições específicas, como:
- receita bruta anual limitada (definida pela legislação em vigor);
- regularidade fiscal;
- não incidir em impedimentos legais previstos.
Mas essa simplificação é, de fato, plena? A jurisprudência recente do STJ mostra que não.
1. Limitação ao benefício de alíquota zero em programas específicos
Em matéria de programas emergenciais, como os criados para ajudar setores atingidos por crises, algumas empresas tentaram aplicar a alíquota zero de impostos como PIS, Cofins, IRPJ ou CSLL. O STJ, no entanto, tem decidido que optantes do Simples não podem estender condições especiais de isenção que alterem sua carga tributária. Isso porque o regime simplificado já possui regras próprias e não admite modificações que descaracterizem sua base de cálculo.
Esse tipo de decisão demonstra que, mesmo dentro de datas ou programas excepcionais, não é permitido “inovar” a cobrança dentro do Simples.
2. Débitos anteriores e aplicação retroativa de leis mais benéficas
Algumas empresas buscaram aplicar retroativamente leis que trouxessem maior benefício tributário, como permitir que débitos antigos fossem incluídos no Simples Nacional. O STJ, porém, firmou entendimento de que isso não é permitido quando o fato gerador ocorreu em período em que a adesão ao regime era expressamente vedada. Ou seja: não basta haver lei mais benéfica posteriormente — a lei deve ser compatível com as condições originais que regiam o regime na época.
3. Obrigatoriedade de contribuição ao FGTS
Uma questão polêmica é se empresas no Simples devem recolher para o FGTS. Há casos em que o STJ determinou que a contribuição do FGTS, prevista em lei específica, é devida, mesmo para empresas optantes pelo regime simplificado. Isso porque essa obrigação deriva de dispositivo legal que incide sobre o empregador independentemente de regime, e não foi excluída expressamente do rol de tributos do Simples.
4. Alvará de funcionamento e inscrição no Simples
Um tema prático importante: pode a ausência de alvará impedir uma empresa de aderir ao Simples Nacional? O STJ decidiu que não. A falta desse documento não caracteriza, por si só, uma “irregularidade cadastral fiscal” que impeça a opção ou manutenção no regime. Isso impede que gestores municipais usem a ausência de alvará como barreira automática à adesão ao regime simplificado.
5. Gorjetas: exclusão da base de cálculo
Para prestadores de serviços que recebem gorjetas, o STJ entendeu que esse valor deve ser excluído da base de cálculo do Simples Nacional, já que não compõe o “preço do serviço” para efeito de ISS, ou seja, não deve ser contado como receita tributável no regime.
6. Isenções específicas: AFRMM e Condecine
Em casos envolvendo tributos adicionais, o STJ também tem reconhecido que empresas optantes do Simples são isentadas do pagamento de:
- AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante), no trânsito de mercadorias via transporte marítimo;
- Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica), no contexto de empresas ligadas ao audiovisual.
Essas decisões mostram que o regime simplificado pode gerar proteção frente a contribuições que, embora não previstas no cálculo principal, normalmente incidiriam sobre empresas de outros regimes.
7. Mandado de segurança e legitimidade passiva
Quando empresas questionam indeferimentos de enquadramento no Simples via mandado de segurança, é comum que apareça a questão da legitimidade passiva da autoridade coatora. O STJ tem decidido que, se o indeferimento for por autoridade municipal ou estadual, cabe ação contra o ente federado correspondente. A Corte também reforça que pendências fiscais (em qualquer esfera) ficam sob responsabilidade daquele ente que administra o tributo objetado.
8. Súmula 425: retenção previdenciária e optantes do Simples
A Súmula 425 do STJ dispõe que empresas no Simples Nacional não estão sujeitas à retenção da contribuição para a seguridade social por parte do tomador de serviço. Em julgamentos recentes, a Corte aplicou esse entendimento para afastar a retenção em contratos de empresas optantes do regime simplificado.
Por que “Simples” não significa ausência de complexidade
As decisões do STJ deixam claro que o regime do Simples Nacional contém muitos pontos de tensão e controvérsia. Entre os fatores que geram incerteza:
- a coexistência com outros regimes tributários e programas especiais;
- limites legais que não podem ser relativizados;
- a necessidade de interpretação cuidadosa dos dispositivos legais;
- a particularidade de cada caso concreto.
Portanto, embora o Simples Nacional busque reduzir carga burocrática e custos, não é raro que empresas e contadores precisem recorrer ao judiciário ou à consultoria especializada para esclarecer dúvidas ou contestar interpretações equivocadas.
Recomendações para empresas e contadores
- Atenção ao encargo tributário real: não presuma isenções ou benefícios além dos previstos expressamente.
- Análise histórica dos débitos: tente enquadrar obrigações pendentes, mas considere se há vedação legal para aplicação retroativa.
- Cautela ao elaborar contratos: evite cláusulas que admitam retenções ou encargos extras para empresas optantes do Simples.
- Acompanhamento jurisprudencial e legislativo constante: decisões novas podem mudar entendimentos consolidados.
- Buscar orientação especializada: em casos de litígio ou dúvidas, um advogado tributarista ou contador especializado pode ser decisivo.